quinta-feira, 25 de novembro de 2010

INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS: PERSPECTIVAS DO PROFESSOR, INTÉRPRETE E ALUNO SURDO Luciani Abisagui Batista Leite 1, Ana Paula Santos Conceição 1 e Maria Janaina Alencar Sampaio2

________________ 1. Alunas do 6º período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, CEP52171-900. E-mail: luciani.abisagui@yahoo.com.br 2. Professora Assistente do Departamento de Letras e Ciências Humanas da UFRPE. Intérprete do Curso de EAD em Letras/Libras UFSC, Pólo UFPE. Doutoranda em Linguística e Mestre em Letras pela UFPB. Fonoaudióloga Especialista em Linguagem pela UNICAP; Graduada em Psicologia pela UFPE.
Introdução
A partir da década de 90, houve um movimento de desprestigio dos programas de educação especial e um incentivo maciço para práticas de inclusão de pessoas surdas em escolas regulares (de ouvintes). Foi então, que difundiu-se com força a defesa de uma política educacional de inclusão dos sujeitos com necessidades educativas especiais, ou melhor, das pessoas com deficiência, propondo maior respeito e socialização efetiva destes grupos e contemplando, assim, também a comunidade surda.
De acordo com Lacerda (2006), “o modelo inclusivo sustenta-se em uma filosofia que advoga a solidariedade e o respeito mútuo às diferenças individuais, cujo ponto central está na relevância da sociedade aprender a conviver com as diferenças” [1]. Segundo a Política Nacional de Educação Especial, a Integração é um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação nos grupos sociais. A normalização é o princípio que representa a base filosófico-ideológica da integração [2]. A legislação do Brasil (Constituição Federal/88, LDB 9394/96 entre outras) prevê a integração do educando com necessidades especiais no sistema regular de ensino. Essa integração, no entanto, deve ser um processo individual, fazendo-se necessário estabelecer, para cada caso, o momento oportuno para que o educando comece a freqüentar a classe comum, com possibilidade de êxito e progresso. Dentro dessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo observar quais as perspectivas de inclusão social, tanto do professor, do intérprete e do aluno surdo, avaliando de fato as dificuldades e sucessos dessa temática. Material e métodos
A avaliação de início começou com uma ida a escola pública regular estadual Engenheiro Lauro Diniz, onde focalizamos a sala de aula do 7º ano do ensino fundamental (6ª série), que conta com 43 alunos ouvintes, 2 alunos surdos. Fomos informadas que esta escola conta com três intérpretes de língua de sinais que se revezam neste trabalho, mais quatro turmas com alunos surdos (8º e 9º ano, ensino fundamental e 1º e 2º ano, ensino médio) e 4 professores de educação especiais que tem uma noção de língua de sinais. Com essas informações partimos para observação e avaliação da vivência de uma aula de ciências. A aula teve duração de 50 minutos, a professora estava na frente da turma e o intérprete também, observamos que a professora fez algumas dinâmicas, expondo desenhos, vídeos, já para facilitar tanto o aprendizado dos ouvintes quanto dos alunos surdos. Surgiu uma dúvida por parte do aluno surdo, e o intérprete comunicou a professora, da mesma forma que ela faz para os ouvintes, ela parou aula e explicou novamente, o intérprete transmitiu toda informação. Através dessa aula vimos que esse professor tinha prazer no que estava fazendo, embora ela não tendo o domínio da Língua de Sinais, muitas vezes ela fazia até alguns gestos indicando o que estava falando. Então partimos para o próximo passo, fizemos três entrevistas, uma com o professor que ministrou a aula de ciências, outra com o intérprete dessa aula e outra com um dos alunos surdos que estava assistindo a aula de ciências. Essa entrevista consistia em perguntas relativas às concepções que cada um têm de sua função, qual a linguagem adotada por eles em sala, o que cada um faz para que a aula tenha sucesso, quais as dificuldades enfrentadas por eles em sala e o que acham que se deve ser feito para a melhoria dessa interação em sala de aula. Resultados e discussão Alfabetizar alunos com culturas diferentes é um choque tanto para o professor ouvinte como para os alunos surdos, por não entenderem de imediato o complexo lingüístico da língua um do outro. Não é suficiente conhecer a Língua Brasileira de Sinais para poder atuar eficazmente na escola com o aluno surdo. É também necessário conhecer a Cultura Surda através da participação e vivência na comunidade surda, aceitação da diferença e paciência para inteirar-se nela. Se o professor for ouvinte e não sinalizador, a presença do instrutor (intérprete) é de extrema importância para esclarecer aos alunos o que o professor quis dizer e vice-versa. O professor ouvinte deverá ficar atento, pois tudo em seu comportamento há uma explicação de construção dialógica quanto à questão de língua, cultura e participação real na educação escolar conforme as exigências.
Na realidade brasileira, são poucas as pessoas com formação específica para atuarem como intérpretes da Libras. Tem crescido o número de cursos oferecidos, todavia eles se concentram nos grandes centros,
atingindo um número restrito de pessoas. Desse modo, é difícil encontrar, em cidades do interior, pessoas com formação específica como intérprete e que se disponham a atuar na área de educação. É preciso reconhecer que a presença do intérprete em sala de aula tem como objetivo tornar os conteúdos acadêmicos acessíveis ao aluno surdo. Entretanto, o objetivo último do trabalho escolar é a aprendizagem do aluno surdo e seu desenvolvimento em conteúdos acadêmicos, de linguagem, sociais, entre outros. A questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los compreensíveis, com sentido para o aluno. Segundo o professor entrevistado sua função é de transmitir o conteúdo de forma mais clara possível para seus alunos ouvintes e não ouvintes, ele utiliza estratégias para facilitar o entendimento do aluno, porém mesmo assim muitas vezes o aluno não ouvinte não consegue assimilar o que ele quer expressar, logo procura a ajuda do intérprete para possibilitar o entendimento do aluno, procura também entender um pouco sobre sua vida além da escola, buscando respostas para algumas atitudes em sala e através deste adequar suas aulas a realidades existentes. O intérprete tem a função de repassar com fidelidade aquilo que o professor fala em sala de aula, onde a língua usada é a Libras, eles se entendem muito bem com os surdos, pois têm a compreensão de perceber as dificuldades enfrentadas por eles e também algumas peculiaridades existentes, isso é conseqüência do constante contato com a comunidade surda em vários lugares, muito além da sala de aula. Ele menciona que muitas vezes a sua interpretação é um pouco comprometida pela não elaboração das aulas em conjunto intérprete-professor, o que dificuldade um pouco o seu trabalho podendo desconhecer algum sinal peculiar do assunto da disciplina e na hora ficar um pouco perdido, tendo que descartá-lo. Os alunos surdos sentem-se bastantes limitados, não pelo fato de terem a deficiência auditiva, mas pela falta de atenção que muitas vezes não tem pela parte do professor. A inclusão do aluno surdo é um desafio que deve ser enfrentado com coragem, determinação e segurança. A decisão de encaminhar um aluno para a classe de ensino regular deve ser fruto de um criterioso processo de avaliação. Finalmente, deve-se ter clareza que essa inclusão não passa exclusivamente pela sua colocação na turma com crianças ouvintes. A verdadeira inclusão implica em reciprocidade. A criança surda poderá iniciar seu processo de integração na família, na vizinhança, na comunidade, participando de atividades sócio-recreativas, culturais ou religiosas com crianças e adultos "ouvintes" e dar continuidade a esse processo na escola especial ou regular, de acordo com suas necessidades específicas. Garantir ao aluno surdo um processo de escolarização de qualidade é fator fundamental para seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, lingüístico e cultural, além de sua inserção plena na sociedade.
Referências
[1] LACERDA, Cristina Broglia Feitosa De; ”A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes sobre esta experiência” , Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006. Disponível em [2] Site do Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES
http://www.ines.gov.br/ines_livros/32/32_006.HTM http://www.webartigos.com/articles/38417/1/O-PROCESSO-DE-INCLUSAO-DE-ALUNOS-SURDOS-NA-ESCOLA-REGULAR/pagina1.html

EDUCAÇÃO BILÍNGÜE: O INÍCIO DE UMA NOVA LUTA

Vilmar Silva

O bilingüismo parte do princípio de que o surdo deve dominar, enquanto língua materna, a língua de sinais, que é a sua língua natural, e como segunda língua a língua oficial de seu país. Nesse sentido, é de fundamental importância o convívio da criança surda com outros surdos mais velhos, que dominem a língua de sinais. Além disso, se os pais forem ouvintes, há a necessidade de que eles aprendam a língua de sinais, preferencialmente no convívio com as comunidades surdas, para garantir um ambiente lingüístico adequado à criança surda, tanto no contexto familiar como no social.

Para Goldfeld (1997), o ambiente lingüístico deve ser o mais adequado possível à criança surda, para facilitar a aquisição da língua de sinais e evitar o atraso da linguagem e todas as suas conseqüências, em nível de percepção, generalização, formação de conceitos, atenção e memória. E acrescenta que provavelmente “a língua de sinais será a língua mais utilizada na construção da fala interior e exercerá a função planejadora da linguagem, já que esta língua é mais fácil e natural para o surdo”.[1]

Já vimos que o oralismo e a comunicação total têm tido como principal objetivo a adequação dos surdos à realidade dos ouvintes. Contudo, na proposta de educação bilíngüe construída com a comunidade surda, o surdo não almeja essa adequação, pois enquanto minoria lingüística ele assume sua surdez como uma diferença histórica e cultural.

Portanto, a noção de que o surdo deve, a todo custo, tentar aprender a língua oficial de seu país em sua modalidade oral para poder se aproximar do padrão de normalidade colocada pelos ouvintes é rejeitada por esta proposta de educação bilíngüe, pois sua principal origem está justamente na luta histórica dos movimentos surdos em prol do reconhecimento da língua de sinais no processo pedagógico. Isto é, os surdos, pela primeira vez após o domínio secular do oralismo, passam a intervir na construção de uma proposta educacional que tem como foco principal o reconhecimento de sua experiência visual.

Porém, isto não significa dizer que a premissa de normalidade do surdo tenha desaparecido com a educação bilíngüe. Muito pelo contrário, existem propostas de educação



bilíngüe que conservam a visão oralista em relação ao surdo. Essas propostas geralmente procuram deslegitimar as línguas de sinais, usando-as enquanto instrumento para a aquisição da língua oral.

A compreensão que se tem é que as propostas bilíngües que tentam colocar em foco a língua majoritária sem refletir com a comunidade surda elementos constitutivos de sua educação - tais como: qual o currículo a ser adotado na educação de surdos? qual deve ser a modalidade da segunda língua, oral ou escrita? em que momento deve ocorrer a aquisição da segunda língua? - tendem a “ouvintizar”[2] o processo de luta da comunidade surda.

Segundo Skliar (1997), as comunidades surdas que estão refletindo sobre essa temática divergem de propostas unilaterais e defendem um bilingüismo que reconheça o direito da aquisição e do uso das língua de sinais, não para serem oralizados, mas sim para poderem participar com sua própria língua dos debates que circundam a sociedade atual, no mesmo nível de igualdade e de condições, porém reconhecendo sua singularidade e especificidade.

O posicionamento político dos movimentos surdos tem demonstrado que não existe uma proposta de educação bilíngüe pronta e preparada para ser usada em qualquer parte do mundo. Neste sentido, Skliar (1997) cita o pensamento de Paulo Freire, que é enfático em afirmar que nenhuma prática pedagógica pode ser transplantada:



Uma mesma compreensão da prática educativa e uma mesma metodologia de trabalho não operam necessariamente de forma idêntica em contextos diferentes. A intervenção é histórica, é cultural, é política. É por isso que insisto tanto em que as experiências não podem ser transplantadas, se não reinventadas.[3]



Não existe uma proposta de educação bilíngüe que possa ser transplantada universalmente, o que existe são processos históricos e culturais que produzem diferentes propostas de educação bilíngüe.

Um outro ponto a ser analisado na educação de surdos, segundo a Federação Mundial dos Surdos (WFD), está relacionado com o alto percentual de surdos fora do ambiente escolar, ou seja, aproximadamente 80%, situação que se agrava ainda mais nos países do Terceiro Mundo. Este dado, para Skliar (1998), deve no mínimo fazer com que os educadores de surdos (surdos e ouvintes) reflitam para quem estão sendo pensadas as propostas de educação bilíngüe, e nos força a afirmar que a educação bilíngüe, com seu projeto político-pedagógico, não deve se restringir apenas à escolarização de surdos. Ela precisa transcender o espaço escolar mediante políticas públicas que propiciem o desenvolvimento lingüístico dos surdos em diversos ambientes, que articulem os movimentos surdos regional e nacionalmente, que coloquem os surdos, no mínimo, no contexto da classe trabalhadora, tanto no campo de educação profissional como de mercado de trabalho, etc. Porém, uma parcela representativa de profissionais que trabalham com surdos acredita que



a desigualdade não dependeria de uma privação cultural dos surdos, mas de uma limitação de oportunidades sociais e educacionais. Assim, se exagera o papel da escola, supondo que as restrições econômicas e sócio-culturais existentes podem ser modificadas e reformadas dentro da instituição escolar, com o objetivo de alcançar uma relativa igualdade.[4]



Essa proposta humanista de educação bilíngüe tenta resolver ingenuamente um problema social e histórico apenas no campo educacional, esquecendo-se de que não basta aos surdos terem acesso ao conhecimento, mas precisam também transformar esses conhecimentos em instrumentos de luta que combatam as relações sociais de dominação.

A compreensão que se tem é que a educação bilíngüe não pode ser vista apenas como um ponto de chegada, mas sim como um ponto de partida, cuja perspectiva política reflita as condições sócio-econômicas, lingüísticas e culturais dos próprios surdos. É uma proposta que precisa ser construída com a comunidade surda, para que os projetos político-pedagógicos de educação bilíngüe não se restrinjam apenas à implantação de escolas, mas que possam aprofundar e criar de forma massiva as condições “de acesso a la lengua de senas y a la segunda lengua, a la identidad personal y social, a la información significativa, al mundo del trabajo y a cultura de los sordos”.[5]











Bibliografia



GOLDFELD, Marcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.

MOURA, Maria Cecília. O surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: REVINTER, 2000.

SKLIAR, Carlos. La educación de los sordos: Una reconstruccíon histórica, cognitiva y pedagógica. Mendonça: EDIUNC, 1997.

. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre, R.S.: Mediação, 1998.

. A escola para surdos e as suas metas: repensando o currículo numa perspectiva bilingüe e multicultural. Porto Alegre: UFRGS, S/D. Mimeo.

SOUZA, Regina Maria de. Que palavra que te falta? Lingüística e educação: considerações epistemológicas a partir da surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998.



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[1] Id., Ibid., p. 108.

[2] Skliar (1998) define o ouvintismo como um “conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte”.

[3] Carlos Skliar (1997). Un análisis preliminar de las variables que intervienen en el proyecto de educación bilíngüe para los sordos, p. 9.

[4] Carlos Skliar (S/D). A escola para surdos e as suas metas: repensando o currículo numa perspectiva bilingüe e multicultural, p. 11.

[5] Carlos Skliar (1997). Un análisis preliminar de las variables que intervienen en el proyecto de educación bilingüe para los sordos, p. 7.