quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Contribuições da Psicopedagogia ante o “diagnóstico” de TDA/TDAH



Patrícia Leuck

 

 O diagnóstico de TDA/TDAH atualmente é um dos temas mais abordados nos espaços educacionais e clínicos, com conceito bem específico : criança desatenta, desorganizada e inquieta.

Consta analisar que a infância e a adolescência são fases de inquietude, de buscas por respostas, uma verdadeira desorganização de emoções, pensamentos, seguido pelo sintoma da desatenção. Desatenção do que não está sendo assimilado ou contextualizado ao seu dia a dia, às suas inquietações. São tantas perguntas e cobranças do mundo que os cerca, e as respostas? As respostas prontas, sintetizadas e bem limitadas, tornando-os acomodados, desatentos, hipoativos. Não os autorizamos a pensar.

Autoria de pensamento  segundo FERNANDÉZ “ é o processo e a produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista de tal produção”.  A aprendizagem dá-se pela interação, assimilação, associação das ideais. Como haver tal aprendizagem com crianças enfileiradas em suas cadeiras, apenas recebendo informações, meros expectadores do mundo que as cerca. SCOZ( 2003) nos diz que      “ ordem e desordem fazem parte de uma totalidade movente, onde equilíbrio contém e é criado pelo desequilíbrio, sendo importante para o processo de aprendizagem: ricos em evoluções imprevistas,traçados de relações não lineares de causa e efeito, fractados em múltiplas e diferentes magnitudes, tornando-se precária a universalização.  

Não consideramos a vida cotidiana da criança e do adolescente do século XXI, Vivemos num mundo globalizado, onde elas captam milhares de conhecimento numa fração de segundos. A geração Z, geração está que traz características de assistir televisão enquanto se estuda para uma prova e fones nos ouvidos ao redigir um trabalho escolar são cenas bem comuns na atualidade entre os jovens . Convivem com o estresse a ansiedade e insegurança da sociedade, de sua família, participam ativamente com a competitividade que seus pais enfrentam lá fora no mercado de trabalho, competição para serem bem vistos e aceitos em suas tribos, financeiramente, emocionalmente. E todo esse bombardeio não é nada inofensivo, pois os torna em uma eterna busca pelo prazer, saciar suas vontades, que muitas vezes nem eles próprios sabem quais são por não estarem  conseguindo acomodar todas estas informações .  Aqui questiono muito o uso abusivo de medicalização infantil, e, ao ler a frase de FERNADÉZ quando diz que: " A sociedade hipercinética e desatenta medica o que produz”  nos confirma o que não estamos querendo ver, ouvir ou até mesmo admitir, admitir que estas crianças estão refletindo o que estão recebendo: hiperativismo, individualismo e desatenção  ao mundo que os cerca, porém exigimos de nossas crianças totalmente ao contrário.

A sociedade esta aniquilando a infância, podando suas etapas essenciais para seu desenvolvimento. Queremos filhos e alunos robotizados, que apenas respondam aos nossos estímulos, evitando a autonomia, criatividade e criticidade. Criança é corpo, movimento e isso gera agitação, inquietação, todo este processo resultará na aprendizagem, aprendizagem que responderá as todos seus questionamentos a cerca de seu mundo. As brincadeiras onde estão? As interações de lazer familiares estão cada vez mais individualistas e tecnológicas,

 Em estudos na população francesa Brougère (1993) verificou que os jogos mais utilizados nas escolas são os pedagógicos e os de atividade motora. O autor ainda constatou que são os professores que escolhem os materiais e o tempo para a utilização destes. A brincadeira de faz de- conta apareceu somente nas classes pré-escolares e a brincadeira livre simplesmente não apareceu. Goldhaber (1994) traz relatos de professores da educação infantil e constata que a brincadeira não é vista como um caminho para a aprendizagem. Na Guatemala Cooney (2004) identificou algumas barreiras que impedem a implementação da brincadeira no currículo escolar.

Dentre os estudos realizados no Brasil, Wajskop (1996) pesquisou as concepções dos professores sobre o brincar e verificou que a brincadeira é vista como diversão e separada da educação.

O brincar é a essência do pensamento lúdico e a característica das atividades executadas na nossa . E qual a relação entre brincar e criar?  Aqui respondo a estes questionamentos pertinentes a sociedade atual que é no brincar, e somente no brincar, que o individuo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral, e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu.  ( Winnicott, 1975, p. 80)

Atualmente uma discussão psicopedagógica paira onde entre os educadores não questiona se “o aluno aprende ou não” ou o quanto ele aprende, mas está voltada a questões mais amplas como : de que modo poderemos favorecer a aprendizagem?, Que ações pedagógicas adotaremos para facilitar a construção de conhecimentos?

Veja a afirmação de Albert Einstein ( 1994, p.36) Por vezes, vemos na escola simplesmente o instrumento para a transmissão de certa quantidade máxima de conhecimento para a geração em crescimento. Mas isto não é correto. O conhecimento é morto: a escola, no entanto serve os vivos

O TDA/TDAH é visto como uma desordem comportamental da infância, inúmeros testes, exames para diagnosticar esta desordem . Mas que desordem comportamental seria esta ? Ou seria uma inquietação de saberes ? Julga-se infância, a fase do simbolismo, que unimos realidade e fantasia, criatividade e imaginação, traquinagens e peraltices de crianças. Criança precisa ser criança, com sua impulsividade, sua curiosidade sobre o mundo com seus porquês, suas inquietações . Inquietude é produtividade, é criação, é vida.

Acredito ser mais fácil, cômodo delegar esta responsabilidade a uma desordem, distúrbio à responsabilizar-se pela educação, pelos limites e regras em suas casas e na rotina dos filhos. Crianças precisam de rotina, limite, focar no seu cotidiano ou tornar-se-ão adultos insatisfeitos, desajustados, incapazes de organizar sua própria vida. E, a criança a a partir de brincadeiras, jogos , interações sociais e principalmente no faz de conta  irá se adequando a estas estruturações sociais, motoras e cognitivas.

As características de crianças que não possuem limites são descontrole emocional, histerias; distúrbios de condutas, incapacidade de concentração, excitabilidade, dificuldade para concluir tarefas e baixo rendimento. Características estas, muito confundidas com TDAH (hiperatividade).

As crianças atualmente não se contentam com pouca coisa, exigem muito de professores e pais, querem algo inovador, que lhes instiguem o intelecto, estamos competindo num páreo duro com alta tecnologia, e temos que correr, pra não ficar atrás.

            Temos que ter em mente que em uma escola, priorizando a sala de aula temos um grupo de crianças de uma mesma faixa etária, mas com desenvolvimento emocional, social e cognitivo bem distintos, cada um com a sua própria dinâmica familiar, seus próprios valores( em relação a comportamento, limites, disciplina e autoridade). TIBA utiliza uma expressão bem interessante de que  “ O professor pode ser um canhão, mas o aluno é um revolver”. Quantas situações agressivas e desnecessárias poderemos evitar se olharmos com outros olhos para nossos alunos, para nós mesmas, porque há muitos professores e pais  hiperativos e sem limites também. Educamos e ensinamos pelo exemplo. Uma vez uma professora nos disse em sala de aula “ Meninas vocês serão o espelho de seus alunos, seu estado de espírito refletirá, muitas vezes neles”.Portanto, a disciplina será um bem desde que não exista uma moral dupla, que todo mundo aceite e compreenda as que normas nunca poderão ser iguais a todos, que os alunos as aceite, para o bem de uma convivência.

            PELLEGRINI afirma que “não nos tornamos competentes socialmente simplesmente porque professores nos dizem como devemos nos comportar, aprendemos essas habilidades principalmente na prática, observando exemplos e convivendo com colegas”.

A capacidade que o ser humano têm em relação a aprendizagem é um fato evidente. Saber compreender os estágios cognitivos, o funcionamento fisiológico dos alunos torna-se prioritário no fazer psicopedagógico e educacional. Saber escutar, questionar a criança, perceber qual entendimento ela possui de sua realidade, dos valores morais, e da lógica, cria uma habilidade de avaliação rica, capaz de encaminhar o psicopedagogo ou os educadores para uma conclusão lógica sobre o potencial de aprendizagem da criança em questão.

Compreender o processo de pensamento destas crianças e adolescentes é imprescindível, investigar o seu nível operatório, para que sejam ajustados as propostas de ensino às suas condições reais de aprendizagem. Instigá-lo e provocar-lhe o desequilíbrio necessário, lhe possibilitará a reflexão sobre novas formas de pensar sobre sua realidade, possibilitando assim, o avanço de seu nível operatório ou de abstração.

Os problemas de aprendizagem surgem por falta de possibilidade da criança aprender, onde não possui a curiosidade desperta, não possui autoria de pensamento.

Todo pensamento, todo comportamento humano remete-nos à sua estruturação inconsciente, como produção inteligente e, simultaneamente, como produção simbólica.

“A interpretação do discurso não pode ser feita sem levar em conta o nível da realidade, pois a realidade é a prova: sem levar em conta a leitura inteligente dessa realidade que lhe dá sua coerência: sem levar em conta a dimensão do desejo, que é sua aposta, sem levar em conta sua modalidade simbólica que lhe dará sua paixão”. SARA PAIM (p.233)

             Na quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos

Mentais (DSM-IV-TR) – guia psiquiátrico que contém informações sobre os mais diversos transtornos mentais estudados e classificados, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) –, estima-se que entre 3% e 5% da população escolar estadunidense seja portadora do transtorno (APA, 2002).

            Em estudos de caso ao qual me deparei inúmeros são os diagnósticos de TDA/TDAH, onde pais, professores e psiquiatras relatam os sintomas do transtorno, autorizando-se a medicalização, que obviamente trará efeitos colaterais que prejudicarão a vida cotidiana desta criança ou adolescente.

            A necessidade de repensar sobre as rotulações atuais, sobre a medicalização abusiva para todas situações cabíveis ou não na vida do ser humano torna-se urgente.

Repensar sobre nossas inquietudes, nossas impulsividades e agitações são realmente imprescindíveis  ao ser humano faltando-nos um embasamento epistemológico de como devemos conduzir estas características  para uma produtividade  saudável, criativa e empreendedora, afinal as melhores produções, as melhores situações de aprendizagem já vistas na humanidade foram criadas nos mais variados níveis de hiperatividade .

 

Bibliografia:

 

ANDRADE MS. O sujeito como autor e a produção do conhecimento em psicopedagogia. In: Amaral S, ed. Psicopedagogia: um portal para a inserção social. Petrópolis:Vozes;2003. p.38-48.

 FREIRE P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7ª ed. São Paulo:Paz e Terra;1998.

FERNÁNDEZ A. Psicopedagogia em psicodrama. Vozes.

FERNANDEZ A. Inteligência Aprisionada. Ed. Nueva Vision.

FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001;

 GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática 1. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995;

 GALVÃO, Izabel. Henri Wallon. Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2001; HALL, Stuart. Nascimento e morte do sujeito moderno.

PRANDINI, Regina Célia de A. Autoria de pensamento e alteridade: temas fundantes de uma relação pedagógica amorosa e libertadora. IN.: AMARAL, Silvia (coord.) AMARAL, Silvia (coordenadora). Psicopedagogia: um portal para a inserção social. Editora Vozes, 2003.

 

 

 

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