quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

cont_linguagem: Arteterapia: do isolamento à construção de uma identidade

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Processos terapêuticos
Arteterapia: do isolamento à construção de uma identidade
Emanuelle Bezerra

Uma punição por discordar dos métodos adotados nas enfermarias e a doutora Nise da Silveira inaugura no Brasil, em 1946, uma das terapias mais crescentes no país: a arteterapia. Ela se recusava a aplicar eletrochoques em seus pacientes e por isso foi transferida para o departamento de terapia ocupacional, o que seria uma punição, pois essa vertente era menosprezada pelos médicos na época. Mas Nise fez disso uma oportunidade de seus pacientes se expressarem e interagirem com o mundo por meio das artes.

No lugar das tradicionais tarefas de limpeza e manutenção que os pacientes exerciam sob o título de terapia ocupacional, ela criou ateliês de pintura e modelagem e, com isso, revolucionou a Psiquiatria então praticada no país. A intenção da doutora era possibilitar aos doentes um contato com a realidade por meio da criatividade. A produção nestes ateliês foi tão intensa que despertou grande interesse científico e mostrou a utilidade de técnicas artísticas no tratamento psiquiátrico. O legado que a doutora Nise da Silveira deixou para a medicina foi de tamanha importância, que o espaço onde estava instalado o Centro Psquiátrico Pedro II foi transformado no Museu de Imagens do Inconsciente para expor as obras dos pacientes. Inicialmente o museu serviu para, por meio do estudo de imagens e símbolos, acompanhar o quadro clínico dos doentes.

Inspirados no trabalho de Nise da Silveira, inúmeros profissionais passaram a se utilizar destas técnicas no tratamento de transtornos mentais. Mas, ao contrário do que possa parecer, a arterapia não é uma terapia alternativa, como explica a psicóloga e arterapeuta Angela Philippini. “Fora do Brasil este processo já existe há 55 anos, foi criado por Jung e é um campo de conhecimento muito específico”. O trabalho de Nise da Silveira foi contemporâneo aos primeiros pesquisadores dos outros países. Nise foi aluna de Jung.

O psicólogo Sidney Dantas, que também é musicoterapeuta do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro, conta que esses dispositivos no tratamento, seriam inimagináveis nas décadas passadas, antes da Reforma Psiquiátrica, que teve início em 1970. “A partir desta data o que acontecia nos ‘porões’ dos sanatórios começou a vir à tona. Era uma falta de humanidade da própria classe médica, tratamentos violentos, que quando foram expostos, obrigaram as autoridades a reformar o sistema”, conta.

O tratamento dos portadores de transtornos mentais era baseado no isolamento. A rotina não permitia que o paciente tivesse uma vida normal. A lei antimanicomial trouxe um desafio para a classe médica: tirar o paciente deste isolamento e inseri-lo na comunidade. Com a arte, vista inicialmente como um complemento, isso mudou. Segundo Dantas, o isolamento não permitia a melhora no quadro clínico. O psicólogo afirma que este processo artístico atende a esta necessidade. “Desta maneira o paciente pode se expressar, interagir com o mundo, se sentir útil e aceito. Há algo que ele sabe fazer bem. Então escolhe as atividades com as quais tem mais afinidade, descobre e mostra seus talentos”.

Já Angela não pôde empregar as técnicas aprendidas no mestrado em Criatividade na instituição em que trabalhava, então decidiu fundar o Instituto Pomar, em 1982. “A vida das pessoas que são tratadas com arte muda substancialmente. São mudanças muito fortes, muito positivas de auto-imagem, de fortalecimento de identidade, na coragem de se comunicar de maneira mais clara e objetiva. Isso a arte pode fazer pelas pessoas, fazer com que se expressem de um jeito mais diversificado”. Ela diz também que há alguns anos os profissionais de saúde se tornaram mais dispostos a implementar a arte nos processos terapêuticos. “Esta metodologia aqui no Brasil ainda é considerada inovadora”, diz.

Além de transtornos mentias a arteterapia ajuda no controle de problemas neurológicos. “Na realidade a arteterapia tem uma ampla elegibilidade, o que significa que ela pode atender a vários tipos de processos de adoecimento, deste os transtornos mais graves a problemas de ordem neurótica”. Isso significa que as pessoas que sofrem com problemas da vida cotidiana, como stress, podem ser beneficiadas por este processo terapêutico. Em arteterapia existem vários campos de especialização, com a psicopedagogia. Esta vertente trata das dificuldades de aprendizagem, das de ordem pscicomotoras etc.

Além do controle, e, em alguns casos, a cura, a arte traz a inclusão do doente. O trabalho de arteterapia parte do pressuposto de que a criatividade é inerente ao ser humano. “Todas as pessoas podem se expressar através das artes, podem criar, todas as pessoas têm uma potencialidade, uma habilidade, um talento. Esse processo vai despertar essa consciência, o que beneficia várias áreas da vida do indivíduo. Na minha opinião, essa é a revolução da arteterapia. O fortalecimento do indivíduo por meio da sua própria criatividade”, encerra.

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